The Real Thing II

Fotomontagens digitais.

2018

O fluxo de imagens, na sociedade contemporânea, é referido por Michelle Henning e a sua vida nómada por Hans Belting. A diferença entre ‘image’ e ‘picture’ (a imagem feita de ideias, teorias, sonhos ou recordações incorpora um suporte material, visível no écran, na parede, na rua) é salientada por J. T. Mitchell. Juntemos as experiências de reformulação das categorias de tempo e espaço, a simultaneidade de pontos de vista,
o gosto do dadaísmo e a presença de John Heartfield. É este o campo de trabalho de José Morujão.
Um trabalho de corte neste fluxo intenso e imparável a que ‘todas’ as imagens do passado (elitista e institucional) se unem às do presente. Um corte / interrupção no fluxo que seleciona e monta as suas imagens concretas. É um trabalho de fotomontagem. José Morujāo surge como um orquestrador de imagens, alguém que interrompe o fluxo, seleciona e reorienta as unidades mínimas e as lança de novo - no fundo num processo querido ao modernismo, a montagem que poderíamos definir como uma produção de sentido. Sentidos íntimos (do surrealismo) e sociais (do construtivismo, do futurismo, do realismo).
E é nesta corrente, tendência ou gosto, da crítica social e necessariamente da política que se inserem os trabalhos de José Morujão. O trabalho sobre as imagens, os mosaicos de imagens, às vezes apenas imagens-nuas (no dizer de José Gil) é, o de através da fotomontagem, criar novas imagens, novos textos portadores de sentido que, dada a sua complexidade obrigam a uma paragem, a uma interrupção no fluxo e a uma leitura mais atenta. Da sua aparente transparência somos levados à sua opacidade.
Temos assim dois momentos: um primeiro feito de impacto apelando aos sentidos e um outro que desperta a interrogação e leva a uma análise. Será neste segundo momento que surgem os campos semânticos do autor: os filtros ou o écran; o ver, humano ou tecnológico e suas próteses; o vigiar e o big brother; o narcisismo; o simulacro do corpo; o quadro dentro do quadro, as imagens que se repetem infinitamente numa vitalidade tecnológica e subjetiva; os espectadores dentro da imagem e fora da imagem; o virtual e o real; o ritmo presente nos gestos e na própria montagem.
É uma obra em que o sentido nasce nas próprias imagens – a palavra está ausente – e é a sua leitura que permite descobrir um discurso crítico sobre a realidade contemporânea. Profundamente conceptual, não abdica da importância material da obra que se basta a si própria e fica, viva e autónoma, no fluir das imagens, dos sentires, sonhos e dores do mundo.
Se comecei por vê-las no fluxo das redes sociais ficam agora ao sabor dos nossos passos e dos nossos olhares, flanêurs e espectadores.

António Barrocas, Lisboa 30/01/2018